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Congresso derruba aumento do IOF e impõe derrota histórica ao governo Lula

  • Categoria: ECONOMIA
  • Publicação: 01/07/2025 08:01

O Congresso Nacional aprovou, na última semana de junho, a sustação do decreto presidencial que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), medida adotada pelo governo Lula com o objetivo de reforçar a arrecadação e promover justiça tributária. A decisão marca a primeira vez, em 33 anos, que o Legislativo revoga um decreto do Executivo, escancarando o atual desequilíbrio de forças entre os Poderes e revelando a força de interesses econômicos contrários à medida.

A articulação para a derrubada do decreto teve início com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), que anunciou a inclusão do tema na pauta por meio das redes sociais na noite de terça-feira (24). A decisão rompeu um acordo anterior entre o governo e líderes parlamentares, revelando a fragilidade do Executivo nas negociações com o Congresso.

As votações ocorreram de forma rápida e esvaziada. Na Câmara, a derrota do governo foi expressiva, como reconheceu até mesmo o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), ao classificá-la como uma “lapada de votos”. No Senado, a rejeição ao decreto ocorreu por votação simbólica – tanto no procedimento quanto na representação política do gesto.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vinha defendendo o aumento do IOF como parte de uma estratégia para tornar o sistema tributário mais progressivo e arrecadar cerca de R$ 61 bilhões em dois anos, valor necessário para o cumprimento da meta fiscal de 2025. Com a derrota, o governo acenou com uma resposta judicial. Na sexta-feira (27), o PSOL entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão do Congresso.

No mesmo dia, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) convocou manifestações contra o que chamou de "boicote da direita no Congresso a Lula e ao povo". Nas redes sociais, cresceram as críticas a parlamentares conservadores com a hashtag “Congresso inimigo do povo”.

Interesses em jogo: elites versus povo

Para especialistas, o episódio simboliza a correlação de forças dentro do Parlamento brasileiro e o embate distributivo em curso. Segundo a economista Juliane Furno, a derrubada do decreto é uma expressão clara da luta de classes que se desenrola no Legislativo. “A disputa tributária é reflexo direto de quem detém o poder político. Hoje, o Congresso representa majoritariamente os interesses da elite econômica”, avalia.

De acordo com Furno, o IOF incide principalmente sobre operações financeiras realizadas por empresas e pessoas de maior poder aquisitivo. Sua derrubada, portanto, representa o triunfo de grupos econômicos que desejam manter privilégios fiscais em detrimento de políticas públicas voltadas às camadas mais vulneráveis.

O cientista social Paulo Nicoli Ramirez concorda. Ele observa que boa parte dos parlamentares chegou ao Congresso impulsionada por vínculos diretos com empresários, grupos religiosos ou armas, como ocorre com as bancadas evangélica e da bala. “Esse Congresso representa, em sua maioria, os interesses das elites econômicas e não da população”, afirma.

Um levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), de 2022, indica que 84 dos 513 deputados federais eleitos são empresários. A profissão é a segunda mais comum no Parlamento, atrás apenas da advocacia. Isso ajuda a explicar, segundo Ramirez, por que há tanta resistência a medidas que mexem com a arrecadação dos mais ricos.

Descompasso fiscal e político

A derrota do governo ocorreu no mesmo dia em que o Senado aprovou um projeto para aumentar de 513 para 531 o número de deputados federais, com base nas mudanças demográficas apontadas pelo Censo de 2022. A medida, embora justificada por critérios técnicos, foi criticada por especialistas como um sinal de descaso com o equilíbrio orçamentário.

Segundo estimativas do governo, o aumento do IOF geraria R$ 20 bilhões já em 2025, quantia considerada essencial para atingir a meta fiscal do próximo ano. Parlamentares da oposição, porém, alegam que o governo busca “empurrar mais impostos para o povo”. Ramirez rebate esse argumento: “O IOF afetaria majoritariamente setores mais ricos. A ideia de que o povo pagaria a conta não se sustenta nesse caso.”

Para ele, o problema está na recusa do Congresso em discutir reformas mais justas, como a taxação de grandes fortunas e lucros e dividendos. “O Congresso derrubou pontos centrais da reforma tributária. O objetivo é claro: impedir que os ricos contribuam de forma proporcional à sua renda.”

Representatividade em xeque

A atual composição do Congresso também preocupa os especialistas. Ramirez defende que apenas por meio das eleições será possível alterar a correlação de forças no Parlamento. Ele critica a baixa representatividade de setores populares, movimentos sociais e minorias.

“O Congresso deveria ter uma divisão paritária entre homens e mulheres, além de garantir espaço para negros, indígenas, LGBTQIA+ e trabalhadores. Em vez disso, há uma super-representação de influenciadores e setores conservadores religiosos e armamentistas”, afirma.

A avaliação é que o poder econômico tem capturado o Legislativo brasileiro, transformando a arena política em um espaço dominado pelos interesses de poucos. “Quem tem o poder econômico toma o Congresso”, resume Ramirez.