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Prometido há quase duas décadas, BRT de Belém segue envolto em desconfiança e atrasos; operação parcial é prevista para 2025

  • Categoria: BELÉM E REGIÃO METROPOLITANA
  • Publicação: 30/06/2025 08:17

Com previsão de funcionamento parcial até o fim de 2025, o sistema BRT (Bus Rapid Transit) de Belém, no Pará, segue sendo motivo de desconfiança entre moradores da capital paraense. Anunciado pela primeira vez em 2008, o projeto que prometia revolucionar o transporte público da região metropolitana se tornou símbolo de promessas eleitorais não cumpridas, sucessivos atrasos e obras inacabadas.

Entre a expectativa e o ceticismo, a população convive com a precariedade do transporte coletivo atual, enquanto as obras se arrastam por mais de 17 anos. Para muitos, o BRT virou um “elefante branco” que ressurge apenas em anos de eleição.

“Eu nem sei o que significa BRT. A gente só conhece a sigla, em inglês. É algo feito para ‘inglês ver’ mesmo. Está ali, no meio da cidade, sem utilidade”, critica a professora de língua portuguesa Cristiane Oliveira. “Já estive em cidades onde o BRT funciona de verdade. Em Belém seria muito útil, mas eu não acredito que vá funcionar como deveria.”

Já a manicure Rose Camelo, moradora de Icoaraci, segue usando ônibus, mas enfrenta dificuldades para se locomover até bairros mais afastados. “Falam há anos dessa coisa de pagar uma passagem só. Mas, quando vou atender clientes longe, preciso pagar por aplicativo. Para não sair no prejuízo, incluo no valor do serviço. Se eu andasse de moto seria mais barato, mas tenho medo”, relata.

O pedreiro Carlos Alencar, que vive no bairro da Pedreira, compartilha da mesma descrença. “Quando eu morava no Benguí, diziam que a Rua do Fio ia virar uma avenida. A obra terminou em 2010, falaram que o bilhete único ia sair... até hoje nada. A verdade é que o BRT mais atrapalha do que ajuda. Já perdi um amigo que foi atropelado perto das obras. Agora, só ando de bicicleta por rotas seguras.”

Queda no uso do transporte público e desafios diários

A desorganização do sistema tem levado a uma queda drástica na utilização dos ônibus. Dados do Setransbel (Sindicato das Empresas de Ônibus de Belém) mostram que o número de passageiros caiu 31,8% entre 2019 e 2022, e mais de 50% de 2022 a 2024. A crescente adesão a aplicativos de transporte, somada à baixa qualidade do serviço — marcada por falta de limpeza, atrasos, insegurança e desconforto — contribui para o cenário.

“Depois das 20h, fico mais de uma hora esperando o ônibus. Quando passa, muitas vezes nem para. E nem todo lugar onde trabalho tem banheiro. Às vezes chego suado, sujo, e o motorista de aplicativo se recusa a me levar. Me sinto humilhado quase todos os dias”, lamenta Carlos Alencar.

BRT de Belém: da promessa à frustração

As diretrizes para o BRT constam no Plano Diretor Urbano de Belém desde 1991. Mas o projeto começou a ganhar forma apenas em 2008, durante o governo de Ana Júlia Carepa (PT), que usou a proposta como carro-chefe de sua campanha à reeleição em 2010. Derrotada nas urnas, a execução foi assumida pelo então prefeito Duciomar Costa (PTB), que deu início às obras com apenas R$ 50 milhões disponíveis, frente a um orçamento inicial de R$ 350 milhões.

Desde então, o BRT passou por três gestões municipais — Duciomar, Zenaldo Coutinho (PSDB) e Edmilson Rodrigues (Psol) — sem nunca ser concluído. O corredor da avenida Augusto Montenegro foi entregue com graves falhas, como ausência de calçadas e ciclovias em grande parte do trecho. Mesmo com a promessa de avanços, o sistema ainda não oferece o serviço integrado e eficiente que foi prometido.

"Ainda não existe BRT em Belém", diz especialista

Para o ex-vereador de Belém e especialista em políticas públicas Fernando Carneiro (Psol), o sistema atual está longe de ser considerado um verdadeiro BRT. “O que caracteriza um BRT é a infraestrutura física — estações e canaletas exclusivas — combinada com uma operação eficiente, com retirada dos ônibus comuns das vias exclusivas. Nada disso foi implementado de fato em Belém.”

Segundo ele, o agravamento dos congestionamentos em avenidas como a Almirante Barroso se deve justamente à má execução das obras. “Reduziram as faixas para os carros, mas mantiveram os ônibus circulando fora da canaleta, gerando mais confusão. E não há integração com transporte fluvial nem com a mobilidade ativa, como bicicletas e pedestres.”

BRT Metropolitano: nova esperança ou mais um capítulo?

Paralelamente ao sistema municipal, o governo estadual deu início em 2019 ao BRT Metropolitano, antigo projeto “Ação Metrópole”, com apoio da agência japonesa JICA. O novo corredor, que ligará Belém a Ananindeua e Marituba pela BR-316, teve o cronograma afetado pela pandemia e, agora, tem previsão de entrega parcial no fim de 2025. A operação completa está prevista para até o final de 2026, sob responsabilidade da concessionária privada BRT Amazônia.

Em maio de 2025, o Ministério Público do Pará recomendou que a Prefeitura de Belém transfira o controle do BRT municipal ao NGTM (Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano), para unificar e recuperar o projeto original. O prefeito Igor Normando (MDB), aliado do governador Helder Barbalho, sinalizou positivamente.

No entanto, Fernando Carneiro alerta: “Enquanto o sistema for tratado como negócio pelas empresas de ônibus, será difícil avançar. É preciso romper com a lógica privatista e integrar o transporte público com descentralização de serviços, mobilidade ativa e tarifa justa. O BRT pode ser a solução, mas não pode estar nas mãos de quem vê o passageiro como lucro.”

Conclusão

Enquanto isso, os belenenses seguem esperando. Com obras visíveis, promessas renovadas e prazos estendidos, o BRT de Belém ainda não é uma realidade — mas continua sendo um dos maiores símbolos da crise da mobilidade urbana e da frágil confiança da população em seus governantes.