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Rock World entra na “Lista Suja” por uso de trabalho análogo à escravidão em festival

  • Categoria: JUSTIÇA
  • Publicação: 28/05/2025 08:43

A empresa Rock World S.A., responsável por festivais de grande porte como Rock in Rio e The Town, foi oficialmente incluída no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão, popularmente conhecido como “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A inclusão foi publicada após conclusão de processo administrativo que confirmou as infrações trabalhistas durante a realização de um de seus eventos.

A decisão decorre de uma operação realizada em setembro de 2023 por uma força-tarefa composta por auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho no Rio de Janeiro, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 1ª Região. Na ocasião, 14 trabalhadores foram resgatados em condições degradantes no interior da Cidade do Rock, palco do festival Rock in Rio. A equipe constatou jornadas de até 21 horas, ausência de repouso adequado, alimentação insuficiente e instalações precárias para descanso e higiene.

Segundo os auditores, os trabalhadores estavam alojados no próprio local do evento, dormindo sobre papelões, sacos plásticos e mochilas usadas como travesseiros. “Era uma situação desumana. Trabalhavam quase um dia inteiro e descansavam apenas três horas. Dormiam no chão, tomavam banho de canequinha e comiam marmitas azedas”, relatou o auditor fiscal Alexandre Lyra, que coordenou a operação.

Os trabalhadores atuavam na montagem da infraestrutura do festival, carregando equipamentos, grades e bebidas. Eles foram contratados com a promessa de pagamento de diárias que variavam entre R$ 90 e R$ 150, mas muitos não receberam os valores combinados.

Durante a fiscalização, um total de 21 autos de infração foi lavrado contra a terceirizada FBC Backstage Eventos Ltda, responsável pela contratação direta, e 11 autos contra a própria Rock World, que, segundo a legislação trabalhista brasileira, tem responsabilidade solidária ao contratar empresas terceirizadas. A Rock World foi responsabilizada por não fiscalizar adequadamente a prestadora de serviços, conforme exige a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A inclusão da empresa na Lista Suja se deu após a conclusão do processo administrativo, que assegurou à Rock World o direito ao contraditório e à ampla defesa. A partir da inclusão, o nome da empresa permanecerá no cadastro por dois anos, salvo se for firmado acordo com o MTE e cumpridos requisitos específicos para migrar à lista de observação. Embora a portaria que institui a Lista Suja não imponha sanções econômicas diretas, a presença no cadastro costuma resultar em restrições de crédito por parte de bancos e instituições financeiras, além de repercussões na imagem institucional. O sistema é reconhecido pelas Nações Unidas como um exemplo internacional no combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Resposta da Rock World

Em nota enviada à imprensa, a Rock World afirmou que “repudia veementemente qualquer prática que desrespeite a dignidade do trabalhador” e declarou que não houve comprovação de conduta ilícita por parte da empresa. A organização reforçou que os problemas identificados foram de responsabilidade da empresa terceirizada FBC Backstage Eventos Ltda, também incluída na Lista Suja em abril deste ano. A Rock World declarou ainda que teria tomado medidas corretivas imediatamente após ser informada dos fatos e que mantém rigorosos padrões de contratação.

“A Rock World reafirma seu compromisso com o cumprimento da legislação brasileira e com o respeito aos direitos dos trabalhadores. Em seus mais de 40 anos de atuação, a empresa sempre colaborou com as autoridades e promoveu eventos que geram impacto econômico e social positivo”, diz o comunicado.

Reincidência em casos semelhantes

Esta não é a primeira vez que festivais organizados pela Rock World enfrentam denúncias de trabalho escravo. Em 2013, durante uma edição do Rock in Rio, uma operação do MTE encontrou 93 trabalhadores em condições degradantes atuando em barracas de venda de alimentos operadas pelo Bob’s, por meio de uma cadeia de subcontratações. Os trabalhadores foram encontrados em alojamentos precários e endividados para pagar credenciais e custos básicos.

Em 2015, o festival foi novamente alvo de denúncias após a fiscalização resgatar 17 ambulantes da empresa Batata no Cone em condições análogas à escravidão. Eles acumulavam dívidas superiores ao que ganhavam, arcando com despesas de alimentação, transporte, exames médicos e até mercadorias não vendidas.

Nos dois episódios anteriores, a Rock World alegou que a responsabilidade pelas contratações era das empresas terceirizadas, mas, de acordo com especialistas e com a legislação vigente, o tomador de serviço deve garantir que os trabalhadores atuem em condições dignas, independentemente da terceirização.

Trabalho escravo no Brasil: realidade persistente

Embora a escravidão formal tenha sido abolida no Brasil em 1888 com a assinatura da Lei Áurea, o país ainda enfrenta casos recorrentes de trabalho escravo contemporâneo. De acordo com o artigo 149 do Código Penal, configura-se esse crime quando há trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes ou servidão por dívida.

Desde 1995, mais de 66 mil pessoas foram resgatadas dessas condições em diversas atividades econômicas, incluindo agricultura, mineração, construção civil, confecção de roupas, trabalho doméstico e, mais recentemente, eventos e festivais de grande porte. O combate ao trabalho escravo contemporâneo é uma das maiores prioridades da fiscalização trabalhista no país.