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Bebê Reborn, Polêmica Real: quando o Afeto Encena o Inanimado

  • Categoria: SAÚDE
  • Publicação: 19/05/2025 08:30

No fim das contas, toda essa polêmica — seja pelas situações bizarras envolvendo bonecos hiper-realistas, seja pelas reações exageradas e oportunistas de figuras públicas — acabou colocando a mineira Yasmim Becker, de 17 anos, no centro de uma onda de ataques virtuais após um vídeo seu viralizar na internet. Nele, a jovem narra o que descreveu como “um dos dias mais corridos e assustadores” de sua vida, quando precisou, segundo contou, levar seu filho, Bento, “às pressas” ao hospital porque ele não estava se sentindo bem. Acontece que Bento não era uma criança — nem um pet —, mas um boneco inanimado: um bebê reborn, modelo hiper-realista com aparência idêntica à de um recém-nascido.

Tudo não passou de uma encenação. Yasmim é colecionadora desses bonecos e costuma gravar vídeos fictícios voltados ao público infantil. Ela explicou que, de fato, esteve no hospital naquele dia, mas por outro motivo. “Entrei como visita, fui conhecer um bebezinho que havia nascido e acabei colocando o boneco no bercinho do bebê real, com o consentimento da mãe, é claro. Coloquei só para gravar rapidinho. Muita gente achou que eu estava atrapalhando o atendimento, mas eu estava apenas ajudando uma mãe, como visita”, relatou.

Coleções exóticas não são novidade: há quem junte desde objetos banais até os mais extravagantes. Certa vez, soube de um rapaz que colecionava fotos 3×4 de desconhecidos. Curioso, no mínimo. Eu mesmo, na infância, juntava cartões telefônicos e nunca consegui completar a imagem de um gato — dividida em quatro cartões, cada um com um pedaço do rosto do bichano. O problema começa quando o hobby passa a interferir na saúde mental ou na vida cotidiana de quem está ao redor.

O episódio de Yasmim serve como pano de fundo para casos ainda mais absurdos envolvendo os famigerados bebês reborn. A advogada Suzana Ferreira contou ter sido procurada para defender o “direito à guarda” de um desses bonecos após o fim de um relacionamento. “A mãe ficou muito nervosa e me acusou de ‘intolerância materna’ por eu ter recusado o caso”, relatou.

Esse é apenas um dos muitos relatos que circulam pela internet, fundindo invenção com realidade e despertando indignação e incredulidade. Como era de se esperar, políticos também aproveitaram a repercussão para se manifestar. Algumas propostas de lei chegaram a sugerir punições para quem procurar atendimento hospitalar com um bebê reborn — muitas delas baseadas em versões distorcidas do caso de Yasmim.

Os riscos de tratar bonecos como seres reais já são apontados por especialistas em psiquiatria. Sim, o apego excessivo a um bebê reborn pode, de fato, ser um caso clínico. Mas o interesse desproporcional de certos políticos diz mais sobre a busca por visibilidade do que sobre uma preocupação genuína com o bem-estar coletivo.

O que ninguém parece conseguir explicar é o nível de insensatez que tudo isso alcançou — tanto por parte daqueles que tratam um objeto inanimado como um ser humano, quanto daqueles que reagem a isso com ódio. A fronteira entre fantasia e realidade está cada vez mais diluída. Criamos versões editadas de nós mesmos nas redes, montamos cenários para exibir afetos, performamos relações.

O bebê reborn surge como símbolo extremo de um fenômeno bastante familiar: um afeto cuidadosamente encenado para parecer real, que só se sustenta porque pode ser controlado e exibido. Um afeto esteticamente agradável, limpo, sereno — e, ao mesmo tempo, sem risco, sem contradição, sem frustração.

O quanto temos investido emocionalmente em simulacros? E o quanto, nesse desejo por relações absolutamente controláveis, revelamos uma carência profunda numa sociedade perdida em seus vínculos reais?

O bebê reborn está ali. Parado. Imóvel. E ainda assim é cuidado como se fosse real. Não responde. Não sente. Não cresce. E talvez seja justamente por isso que tanta gente o escolhe. Não por loucura, mas por uma tentativa de encenar o cuidado em um tempo em que as relações reais parecem, para muitos, assustadoras ou distantes demais. Ou talvez como forma de produzir o olhar e o interesse do outro — ainda que digital —, aquele que carrega, mesmo que ilusoriamente, a promessa de uma relação verdadeira.